Memórias de um diablerie
"O Senhor, porém, lhe disse: Portanto, quem matar a Caim, sete vezes sobre ele cairá a vingança.. E pôs o Senhor um sinal em Caim, para que não o ferisse quem quer que o encontrasse."
- A Bíblia, Gênesis 4:15
Vagava sem uma direção exata.
Sentia-se pesado, estranho... Há alguns anos estava tomado pelo ódio, mas naquele instante ele já não se fazia presente.
A noite já havia caído e ele caminhava só, exceto pela Deusa que o olhava de cima em sua forma mais pura, a lua que brilhava cheia no céu, iluminando o caminho de seus bons filhos, e acolhendo as trevas em meio às sombras.
Mesmo que o Deus da Justiça tivesse o punido àquela vida vazia e imortal, a Deusa o havia acolhido e lhe dado poderes para se sentir melhor.
O tempo passava e ele mal o via passar. Já estava se acostumando com a idéia de que séculos iriam se passar e que ainda estaria ali, vagando pela Terra.
Quando dera por si, já havia percorrido um deserto inteiro e já se aproximava de um pequeno vilarejo no Baixo Egito.
Como uma pancada, um cheiro pungente invadira suas narinas. A fragrância fria parecia arrancar sua alma de seu descanso.
Apenas uma coisa permanecia na mente de Caim naquele instante: Ele precisava de sangue!
Conduzido como um animal corria em direção ao pequeno casebre de onde o cheiro vinha.
Estava sedento, queimava por dentro desejando sentir o cálido líquido descer por sua garganta.
Quando irrompera pela porta do casebre, se deparara com um homem mutilado que jazia no chão de pedra. As rugas de sofrimento ainda estavam presentes em seu rosto, mesmo morto. Haviam graves cortes na face, e um ainda maior que pegava desde o meio das pernas até o tórax.
O sangue ainda esvaia do corpo do pobre coitado, e não se contendo, Caim fora imediatamente se satisfazer.
Sua sede era tamanha, que só percebera que não estava sozinho no recinto, ao ouvir uma voz vir de outro cômodo.
- Mamãe... O que têm a me dizer agora? Sua vida está em minhas mãos... Eu posso fazer o que eu quiser com ela...
Ouvira uma voz feminina dizer de forma cruel e fria, e só então se dera conta de onde o cheiro de sangue estava mais vivo.
Alguém sangrava no outro cômodo.
Ativou seus sentidos e pôde ouvir os batimentos cardíacos de duas pessoas, porém um estava falho, quase parando.
Caminhou cautelosamente até o próximo cômodo, onde já esperava ver uma cena de assassinato, porém o que vira era pior.
Se algum dia ele pensara que fora cruel ao matar o próprio irmão... Agora via que podia existir crueldade maior.
Quando matara Abel, estava cego de ganância e ciúmes... Mas aquela garota não parecia estar cega. Ela sorria... Deliciava-se com cada expressão de dor que a mãe fazia. Estava matando, porque queria isso, sentia prazer.
Ficou parado olhando maravilhado para a jovem ruiva que cortava a garganta da própria mãe lentamente, ela que parecia estar em um transe extasiante, não se dava conta da presença dele ali.
Quando o corpo da ruiva mais velha ficara mole e caíra no chão, a jovem sorrira satisfeita consigo mesma e só naquela hora percebera que tinha companhia.
Com a faca firme em sua destra, virou-se de frente para Caim, dizendo de forma gélida.
- Quem é você?
A pergunta fizera com que ele abrisse um sorriso malévolo, desse passos rápidos em que em um segundo já estivesse segurando o cabelo da ruiva e deixando seu pescoço à mostra.
- Aquele que irá eternizar sua cruel beleza.
A hora de agir
Sentada na poltrona da sala de seu castelo, Zaidi se lembrava de cada memória que havia tomado de Caim. Enquanto isso saboreava o vinho, analisando cada perspectiva dos pensamentos do mestre cainita.
Sorria nostálgica, pensando no quanto as coisas haviam mudado.
Antes ela matava por prazer, hoje seria capaz de sacrificar sua meia-vida a alguém, ou lutar apenas como um modo de conhecer a si mesma e se aperfeiçoar.
Tinha aprendido que existiam coisas mais valiosas do que desejo e vingança.
Suspirou levantando da poltrona e deixando seus devaneios para trás. Havia ficado parada por tempo demais e precisava ‘desenferrujar’, e que modo melhor se não uma luta?
Decidira que seria melhor não conhecer seu adversário e que o mesmo também não a conhecesse, sendo assim a luta fora arranjada por terceiros.
Normalmente estaria completamente calma, mas naquele dia estava ansiosa, com o tempo suas lembranças se desvaneciam e tudo o que fizera antes da batalha fora ficar repassando-as em sua mente, para poder executar tudo com perfeição.
Vestira-se de modo simples, não gostava de exagerar usando armaduras como muitos outros, sua armadura maior eram os poderes herdados de Caim. Usava apenas um longo vestido negro e os pés ficaram descalços, o cabelo ruivo pendia solto caindo nas costas e os olhos estavam mais rubros que o costume.
Com sua velocidade de 340 metros por segundo, através da disciplina Rapidez, chegara ao local marcado rapidamente.
Sentiu a grama seca sobre a sola dos pés e algumas pedras espetarem, mesmo que estas não conseguissem perfurar.
Parou no meio do campo esperando a chegada de seu oponente, enquanto se concentrava sentindo a energia dos mortos que jaziam debaixo do solo, estes que clamavam para serem libertos.