::Ardor. Mesmo por baixo da espessa capa negra, que parecia demasiado gasta, a pele alva ardia como se rejeitasse o calor do sol que nunca mais a tocara. Mas isso era questão de tempo até se acostumar. Ouvira um pouco de longe os passos pesados de quem lhe esperava, mas não apressou os seus. Mal se fazia ouvir, tamanha a leveza do toque das botas no gramado macio. O cajado mal tocava-o, apenas anunciava se haviam ou não pedras ou galhos de árvores que pudessem fazê-lo tropeçar. Nada.
Na mais profunda escuridão estavam os olhos azuis. Não viam o céu, não viam a luz, não viam a beleza do mundo que se formava em um cenário que, provavelmente, o deixaria sem ar, tendo em vista que, nos tempos em que podia ver, era um amante das belezas naturais. Belezas quais, estavam guardadas fundo em si.
Não tardou a chegar ao lugar onde a presença robótica o esperava. Graças a recentes estudos, dominara a nova arte alquímica de androides e robótica básica para entender aquela forma de vida. Se é que podia chamá-lo daquele modo. Por baixo do negro capuz, um sorriso se formou e o corpo encurvou-se em uma antiquada e formal reverência. Enquanto a mão destra portava um cajado que passava-lhe a altura em comprimento, a canhota segurava junto ao peito um livro grosso, com aparência de ser antigo e muito pesado. Ao se endireitar, abriu o braço que segurava o volume amarelado e este passou a flutuar sobre a mão aberta, como se estivesse suspenso por alguma forma sobrenatural. O sorriso alastrou-se nos finos lábios com frieza, porém, não maldade e um suspiro fez-se presente, como se a voz falasse-lhe diretamente à mente.::
-Espero que não tenha me esperado muito...
::Elevou o rosto encapuzado na direção do alheio, não permitindo que os olhos fossem vistos, apenas uma parte do rosto. Dera mais alguns passos à frente até estar na distância que calculara, o velho manto negro arrastando-se com suavidade, o roçar delicado da lã maltrapilha e muito usada provocando um som irritadiço para aguçados ouvidos. Assim que parou, o tecido deslizou pelo corpo esguio até encontrar o chão. Agora sua indumentária de feiticeiro podia claramente ser vista. Túnica longa, tingida da cor de vinho, um cinturão com gemas preciosas, saiote comprido que, assim como o manto, arrastava-se no chão. Encobria botas levas de tecido um tanto fino. As mangas eram igualmente compridas, felpudas no punho, assim como no pescoço. Vistoso e chamativo... Porém, ele não tinha consciência disso. Os longos fios brancos pareciam reluzir a luz do grande astro e tornarem-se de um fraquíssimo louro, escorriam finos e leves até abaixo da cintura e esvoaçavam ao vento junto com as roupas excêntricas que ele nem tinha ideia que vestia. Tornou a falar, o mesmo eco aveludado que ia diretamente aos ouvidos alheios. Bateu o cajado no chão e uma luz azulada passou a emanar dele. O velho carvalho tornou-se prata, e reluzia junto ao velhíssimo livro. Cordialmente, esperou a próxima ação, mantendo o sorriso cortês.::
-...Creio que...Pelo que viu, já sabe o que sou.